Em 23 de setembro de 1997, a
música pop mudou o mundo. Pelo menos, momentaneamente. Em uma terça-feira, num
estádio olímpico cheio de marcas das bombas, o U2 foi a primeira banda grande
de rock a tocar na cidade de Sarajevo, que se recuperava da guerra da Bósnia,
na esperança de apagar as tensões étnicas que haviam oprimido a Iugoslávia.
“Se há alguma mensagem, é
uma muito simples, bem banal,” disse Bono à CNN. “É que a música vai além da
política”.
Notoriamente, os esforços
humanitários de Bono iriam lhe dar uma reputação – não tão boa – como um
‘benfeitor messiânico’ e ambicioso, coletor itinerante de projetos presunçosos.
Em 2002, a capa da Time perguntava ‘Bono pode salvar o mundo?’ e em 2009 o
Daily Mail reclamou que enquanto Bono era um apaixonado realmente por cancelar
a dívida do Terceiro Mundo, ele agia ‘como se solução inteira estivesse nas
suas calças de couro.’. Mas o U2 não foi à Sarajevo com planos para salvar o
país ou reverter o curso da história. Levar um bom momento para os jovens, por
algumas horas, já era o suficiente.
Sarajevo apareceu somente nos
dois últimos antes do maior cerco militar da história moderna. Os agressores
sérvios haviam cercado a cidade por 44 meses, entre dezembro de 1992 e dezembro
de 1995, maltratando e deixando a população faminta. Por três anos e meios, os
cidadãos eram dependentes da comida e combustível traficados para a cidade
através de um longo túnel subterrâneo, tendo centenas de morteiros que caiam
sobre a cidade todos os dias. Segundo a repórter de guerra Charlotte Eagar:
“Velhinhas cambaleavam para casa, transportando carrinhos caseiros com
recipientes de plástico com água... Sem poder coletar madeira pra se aquecerem,
as pessoas queimaram primeiro os móveis e depois os livros. E ainda assim
morreram nos invernos brutais nas montanhas... Tanto o bombardeio como o frio
não discriminavam em encontrar a morte.”
Até o final da guerra, em
1995, mais de 10 mil bósnios foram mortos em Sarajevo.
Bono já tinha visitado o
país rapidamente e prometeu voltar ‘trazendo a banda na próxima vez.’ O show de
1997 foi o cumprimento dessa promessa.
Até então, a única cidade
magnífica – anfitriã dos jogos Olímpicos de Inverno de 1984 – tinha virado um
campo de morte e de um dia para outro tinha começado a se reconstruir. O
zoológico de Sarajevo começou a ser restaurado e os patronos das artes
forneceram à cidade ferida instrumentos musicais e livros para bibliotecas. Os
artistas da guerrilha começaram e embelezar as ruas com ‘rosas de Sarajevo’.
Então com a insistência dos organizadores de Sarajevo, esse não seria um show
pequeno de caridade – ao contrário, Sarajevo seria uma grande escala, uma
parada da turnê mundial PopMart.
Os 60 caminhões que
transportaram os equipamentos de palco do U2 tiveram que andar por estradas
estreitas nas montanhas para chegar à Sarajevo – no entanto, uma equipe de 450
ajudou na montagem do palco e sistema de som em Kosevo Stadium.
“É um milagre que eles estão
realmente aqui,” disse o guitarrista The Edge a um enxame de jornalistas que
receberam a banda na chegada. “O fato de que podemos chegar e colocar não só um
show, mas o mesmo show completo que fazemos em Paris, Nova York e Londres é um
símbolo para o povo de Sarajevo de que as coisas estão voltando ao normal.”
Na noite do show, trens
especiais trouxeram os jovens da antiga Iugoslávia, Croácia e Eslovênia até
Sarajevo. De acordo com as notícias, os eslovenos foram avisados de que ‘não
precisariam de vista para aquela noite’,
E por duas horas naquela
noite, em um estádio cercado por tropas da OTAN, uma multidão de 45 mil pessoas
de toda a antiga Iugoslávia se iluminaram em uma luz de neon da noite, curtindo
todos os clássicos e sintetizadores produzidos pelo U2 considerados arte
naquela época, e meio que sentiram normais de novo.
O U2 de 1997 não era tão adequado
como símbolo de esperança para uma cidade desanimada como , digamos, o U2 de
2002. A turnê PopMart era uma paródia em cima do materialismo superficial; Bono
e seus companheiros de banda caminhavam pelo palco com capas de cetim
brilhantes e camisetas com os músculos. Em outras palavras, foi um momento
estranho para o U2. A turnê PopMart, infelizmente, não poderia oferecer aos
bósnios as imagens simples de resistência que um U2 mais antigo e sábio, que
iria oferecer aos americanos machucados depois de 11 de setembro.
Isso não quer dizer, porém,
que o show de Sarajevo não tenha tido momentos altos de esplendor emocional.
Durante a balada de Luciano Pavarotti, ‘Miss Sarajevo’, levou a jovem de 21
anos Inela Nogic ao palco pela mão. Nogic tinha se tornado o rosto trágico da
guerra - e a inspiração para a música – quando ela ganhou o concurso de beleza,
em 1993, em Sarajevo durante o cerco. Quando ela foi coroada, Nogic e uma dúzia
de outras garotas de maiôs desenrolaram uma faixa “Não deixem que eles nos matem”.
“Fazer um concurso de beleza
durante a guerra foi uma coisa louca,” ela disse à Associated Press. “Mas nós
tentamos viver uma vida normal. Foi como um mecanismo de defesa que nós
tínhamos.”
Nos anos após o show do U2
em Sarajevo, as agressões inter-étnicas iriam se incendiar novamente na região
dos Balcãs. A guerra eclodiu menos de um ano depois em Kosovo, e embora
Sarajevo esteja florescendo hoje , a ‘normalidade’ que 1997 queria tanto
prenunciar foi fugaz. As forças da OTAN permaneceriam na Bósnia até 2004 e as
forças de paz da União Europeia ainda estão estacionadas por lá ainda. As
etnias croatas, sérvias e bósnias ainda dividem o território
desconfortavelmente e muitos iriam preferir que não. Como Aida Cerkez da AP
disse: “Todos ainda querem o que eles queriam de volta em 1992. Então, a Bósnia
hoje não tem guerra, mas certamente não tem paz.”
Então, hoje, talvez seja
melhor pensar sobre o show histórico do U2 apenas como um gesto carinhoso para
um povo tão sofrido. PopMart não desfez os horrores da guerra ou trouxe paz à
Bósnia, tanto quanto trouxe uma distração feliz para algumas pessoas que já
passaram por muito na vida.
Tradução: The Atlantic
“É permitida a reprodução
total ou parcial deste texto desde que obrigatoriamente citada a fonte.”
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